No final de 2021, a Emenda constitucional nº 113 alterou o critério de correção monetária
de dívidas da Fazenda Pública, prevendo o seguinte: “Artigo 3º Nas discussões e nas
condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para
fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora,
inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do
índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic),
acumulado mensalmente”.
Antes mesmo de se questionar a preservação do
direito de propriedade pela aplicação da Selic para
fins de atualização de precatórios, se faz relevante
discutir a natureza da Selic.
Segundo Fortuna (2008, p.114), “O Selic, na
verdade, é um grande sistema computadorizado
online, ao qual tem acesso apenas as instituições
credenciadas no mercado financeiro. Através do
Selic, os negócios têm liquidez imediata.” Ainda segundo o citado autor: “trata-se de um
sistema de custódia em que há reservas bancárias para liquidação de operações e outras
que não possuem reservas bancárias e se vinculam às custodiantes”. Ou seja, Selic é
um sistema de controle de títulos, e não um índice. A regulamentação atual é dada pela
Resolução BCB nº 55 e estabelece o seguinte:
“O Selic é um sistema informatizado que se destina:
I – à custódia de títulos escriturais de emissão do Tesouro Nacional e ao registro e à
liquidação de operações com os referidos títulos;
II – ao registro e à liquidação das operações referentes a depósitos voluntários a prazo de
instituições financeiras no Banco Central do Brasil.
Parágrafo único. As operações cursadas no Selic são liquidadas por seus valores brutos
em tempo real”.
E ainda, segundo o Banco Central: “a taxa Selic é a taxa média das operações
compromissadas com prazo de um dia útil ocorridas diariamente no Selic”.
Como se percebe da sua regulamentação, a “taxa Selic” não pode ser adotada como
indexador de correção monetária, principalmente para fins de atualização do poder de
compra.
No sentido do que foi acima descrito, não é passível de aceitação que a correção monetária
aplicada aos débitos judiciais, principalmente aos precatórios, a partir de 9 de dezembro de
2021, não venha a atingir o direito de propriedade.
A regulamentação da Emenda constitucional nº 113, de 2021 foi feita pelo do Conselho
Nacional de Justiça, que alterou a Resolução nº 303, de 2019 pela Resolução nº 448, de
2022, cujo texto enseja as seguintes questões:
1) Para precatórios não tributários: os juros de mora devem incidir somente até novembro
de 2021. Ou seja, não há mais penalidades os débitos da Fazenda não quitados, fato este
que coloca o crédito daquele que venceu a Fazenda Pública em juízo em grau de
desigualdade com o particular, pois neste ainda incidem os juros de mora de 1% ao mês.
2) Para o período de dezembro de 2021 em diante, fixou-se a seguinte regra para
precatórios não tributários: “§1º A partir de dezembro de 2021, a compensação da mora
dar-se-á da forma discriminada no artigo 21 dessa Resolução, ocasião em que a taxa
referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) incidirá sobre o valor
consolidado, correspondente ao crédito principal atualizado monetariamente na forma do
artigo 21-A dessa Resolução até novembro de 2021 e aos juros de mora, observado o
disposto nos §§5º e 6º do artigo 21-A desta Resolução”.
O que se indaga é o seguinte: o que é tal “compensação da mora?”. Os juros moratórios não
têm a natureza de compensar perda, mas são devidos pelo inadimplemento, conforme
entende Jantalia (2012): “são devidos independentemente de comprovação de prejuízo”.
Por outro lado, a Resolução ainda estabelece no §6º do seu artigo 22 que: “Não havendo o
adimplemento no prazo a que alude o §5º do artigo 100 da Constituição Federal, a
atualização dos precatórios tributários e não-tributários será pela taxa Selic”. Ou seja, se
o precatório for apresentado até 2 de abril, e o não for feito pagamento até o final do
exercício seguinte, não incidem juros, somente a correção monetária. Não é compreensível
que uma dívida transitada em julgado que tem até mais de dois anos para ser paga, se não
for paga, somente sofre a correção monetária da Selic.
Expostas as questões acima, é possível constatar o seguinte:
1) A situação do credor da Fazenda Pública é bastante prejudicada, pois a sua remuneração
para um direito que é seu por determinação do Poder Judiciário pode sofrer corrosão no seu
direito de propriedade pela desvalorização da moeda e a não recuperação por índice que
não representa a variação de preços;
2) O credor da Fazenda Pública tem uma situação ainda mais prejudicada se a Fazenda não
cumprir o prazo que ainda foi alterado para mais de 24 meses para ter de volta o seu direito
de propriedade ao seu patrimônio, caso o prazo do precatório não venha a ser cumprido;
3) Em termos de análise econômica, a não recomposição por um índice que, no mínimo,
represente a sua recuperação patrimonial, associado à ausência de um pagamento de uma
punição estatal pelo inadimplemento, induz os agentes econômicos a não confiarem mais
no sistema, caso venham entravar relações com o Estado, e com isso, os custos de transação
podem ser influenciados no momento em que se firmam as relações jurídicas, pois os
agentes podem precificar tal risco.
4) Por fim, uma distinção relevante dada por SANTOS (2019): “É importante fazer uma
distinção entre o direito de propriedade, aquele que confere ao seu titular as faculdades
previstas no artigo 1.228 e seguintes do Código Civil, com o patrimônio, que se traduz pelo
conjunto de direitos e obrigações de um titular, desde que tenha valor econômico. A
atualização monetária vai, após a via judicial, tentar recuperar o patrimônio daquele que
deixou de ser titular”.
O Poder Judiciário há muito vem se defrontando com questões envolvendo a correção
monetária, talvez ainda por remanescer do período inflacionário, todavia o constituinte
derivado tentar conter efeitos econômicos por meio de norma jurídicas em nível
constitucional não se mostra a via mais adequada para resolver tais questões.
A inconstitucionalidade, no que tange ao direito de propriedade, já foi questionada junto à
Suprema Corte por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.064 proposta pelo
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Associação de Magistrados do
Brasil e outras entidades, todavia ainda não há decisão acerca da suspensão da eficácia da
Emenda Constitucional nº 113, de 2021. Ainda que se considere tal contexto, o credor, que
venha a ser sentir aviltado, deve, por cautela e em momento oportuno, procurar a via
judicial para tentar proteger seu legítimo direito de propriedade.

Fonte:https://www.conjur.com.br/2022-mai-18/santose-bilhim-selic-ec-113-2021